A Obstinação dos Corvos Esfomeados de Mikuyu

Estes não podiam ser os corvos de Noé, estes corvos
da Prisão Mikuyu crocitando nos nossos telhados todos
os dias; por onde tivessem deambulado depois das peregrinações
desastrados no epílogo dessas inundações
imemoriais, os corvos de Noé não podiam ter aterrado
aqui (eles nunca regressaram à arca do seu dono).
Estes também não podiam ser os corvos de Elias; por
mais que esta nação possa ter obstinadamente desafiado
as rãs de Deus Todo-Poderoso, esses gafanhotos vorazes,
as secas e pragas intermináveis, não há hoje
um profeta que Deus ame tanto que o queira salvar
(com o pão e a carne de corvos mensageiros!)

Estes só podem ser dessa espécie pagã de
corvos esfomeados e abutres devoradores de carcaças, aqui enviados
para bicarem a nossa insónia e os olhos injectados de sangue
e martelarem a paz desta cela deserta com
as pancadas dos seus duros bicos. E por que não
escolherão qualquer outro lugar ou tempo?
Por que aparecerão estes corvos na Prisão Mikuyu,
sempre de madrugada, martelando no ferro
retorcido desta cela, perfurando a medula dos ossos
frágeis e debicando as espinhas de peixe
roubadas das latas de lixo que pusemos lá fora?



Jack Mapanje

Rosa do Mundo, 2001 poemas para o futuro
Assírio & Alvim, 2001
Tradução de José Alberto Oliveira

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