O céu agrada-me pensar

O céu agrada-me pensar que é a memória de dois ou três amigos, aqueles contra cujos lábios a partir de dentro empurraremos docemente os nossos nomes e que, quando levam a comida à boca, sabem que é a nós que estão a alimentar. São dois ou três amigos, aqueles só em cujos corações enfiamos achas, o clarão atinge-lhes os olhos, pensarão: hoje a memória é como se a trouxéssemos em braços. Não sei se quando o mar lhes vier ao espírito o ouviremos rebentar, o certo é que por ele às vezes sobem as marés. Há ondas que se vê terem por ele passado antes de contra os nossos corpos deflagrarem.



Luís Miguel Nava
Poesia Completa 1979-1994
Publicações D. Quixote, 2002

1 comentário:

JRodrigues disse...

Este poema é, a meu ver, um dos mais da Literatura Portuguesa! Não tenho palavras (mas a Grande Arte é do domínio do inefável), só sei que me comove até às entranhas.