«Essa crise financeira, que hoje jamais poderia acontecer, foi simplesmente a última de uma série de catástrofes criminosas do século XX que se originara, na sua totalidade, nos cérebros humanos. Pelas violências que as pessoas cometiam contra si mesmas e contra as outras, e contra todos os seres vivos, já agora, um visitante de outro planeta poderia ter presumido que o ambiente enguiçara e que as pessoas andavam naquele frenesim porque a natureza estava prestes a matá-las a todas.
Mas o planeta aqui há um milhão de anos atrás possuía tanta água e alimentos como hoje – e era único, nesse aspecto, em toda a Via Láctea. O que mudara fora apenas o que as pessoas pensavam dele.
Por uma questão de justiça para com a humanidade tal como costumava ser: havia cada vez mais gente a dizer que os seus cérebros eram irresponsáveis, inseguros, hediondamente perigosos, completamente irrealistas – não prestavam absolutamente para nada.
No microcosmos do Hotel El Dorado, por exemplo, a viúva Mary Hepburn, que tinha andado a tomar todas as refeições no seu quarto, estava a amaldiçoar o seu cérebro sotto voce por causa do conselho que lhe dava, que era o de se suicidar.
– És meu inimigo – murmurava ela. – Por que havia eu de querer transportar dentro de mim um inimigo tão terrível?»



Kurt Vonnegut
Galápagos
Editorial Caminho, 1989

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