Que me arrancasses garbosa ao Pacífico
ou que eu abrisse a tua concha junto ao Atlântico
agora pouco importa. É outro hoje o oceano
que erode o que parecia relativamente rochoso
e que provavelmente se insinua, destruindo
e conquistando, no teu penteado. E, como disse o poeta,
tu hás ido mui longe em humanidade, agora que os teus rebentos
desvirgindam bragas e corações novos por todo o continente,
que é o que, espero, ainda temos em comum.
Contudo, eles de ti são apenas a metade. Num tribunal,
a herança da tua siderante beleza,
que eu julguei imortal, não será atribuída
a ninguém, nem a ti própria. Pois, embora generosos
quando se trate de emprestar propriedades - digamos,
para uma volta à paróquia à experiência - os deuses
ou os genes, no fundo, são egoístas;
em todo o caso, mais vãos do que tu,
pois têm a eternidade. O que está a milhas
de mais uma casa alugada numa aldeia isolada pela neve
algures no Norte, onde talvez, neste preciso momento,
te estejas a ver ao teu inconsciente espelho
que te devolve de certeza menos do que a minha igualmente
unidimensional memória, embora para ti isto de facto pouco importe.



Iosif Brodskii
Paisagem com Inundação
Livros Cotovia, 2001
Tradução de Carlos Leite

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