A Noite

A noite treme diante da janela e quer trespassar-me o coração,
gritando os nomes que eu infamei.
Oh, esses nomes que em cada cruz estão gravados e conspurcam o meu
trabalho diário.

Sei que me hei-de levantar e destruir a minha cama
e com a cama os sonhos que cresceram no meu cabelo para setenta anos.

Hei-de levantar-me e recitar o meu verso
para os mendigos que vivem de abandono,
nas ruas das grandes lojas. Nas ruas
em que as mulheres enganam a sua carne por um dia de feira.
Essas ruas que foram feitas com o trigo do meu pai
e com a pobreza da minha mãe,
que se cortou no braço com uma foice e parecia então
o próprio sol

Oh, a noite que me trespassa o coração
com todos os que eu infamei...



Thomas Bernhard
Na Terra e no Inferno
Assírio & Alvim, 2000
Tradução de José A. Palma Caetano

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