Foi em família, como seria de esperar, que realizei a metralhadora de bofetadas. Realizei-a sem a ter premeditado. De repente, a minha cólera projectou-se para fora da minha mão, como uma luva de vento que tivesse saído dela, como duas, três, quatro, dez luvas, luvas de eflúvios que, espasmodicamente, e a uma velocidade incrível, se precipitaram das minhas extremidades manuais, lançando-se para o alvo, para a cabeça odiosa que atingiram sem demora.
Aquele espasmo repetido na mão era espantoso. Já não era, em verdade, uma bofetada, nem duas. Tenho uma natureza reservada e só me exalto no precipício da raiva.
Verdadeira ejaculação de bofetadas, ejaculação em cascata e aos sobressaltos, a minha mão permanecia rigorosamente imóvel.
Nesse dia, toquei a magia.
Um ser sensível teria visto ali qualquer coisa. Aquela espécie de sombra eléctrica brotando espasmodicamente da extremidade de minha mão, congregada e reformando-se num instante.
Para ser completamente franco, a prima que me tinha irritado acabava de abrir a porta e de sair quando, apercebendo-me bruscamente da vergonha da ofensa, respondi ao retardador com um voo de bofetadas que se escaparam realmente da minha mão.
Tinha descoberto a metralhadora de bofetadas, se assim o posso dizer, mas é o termo mais adequado.
Depois nunca mais pude ver aquela pretensiosa sem que, da minha mão, as bofetadas se lançassem como vespas ao seu encontro.
Esta descoberta compensou-me pelas odiosas palavras que me humilharam. É por isso que às vezes recomendo a tolerância no seio da família.
Henri Michaux
de Liberté d´Action
Antologia
Relógio d’Água, 1999
Tradução de Margarida Vale de Gato
Aquele espasmo repetido na mão era espantoso. Já não era, em verdade, uma bofetada, nem duas. Tenho uma natureza reservada e só me exalto no precipício da raiva.
Verdadeira ejaculação de bofetadas, ejaculação em cascata e aos sobressaltos, a minha mão permanecia rigorosamente imóvel.
Nesse dia, toquei a magia.
Um ser sensível teria visto ali qualquer coisa. Aquela espécie de sombra eléctrica brotando espasmodicamente da extremidade de minha mão, congregada e reformando-se num instante.
Para ser completamente franco, a prima que me tinha irritado acabava de abrir a porta e de sair quando, apercebendo-me bruscamente da vergonha da ofensa, respondi ao retardador com um voo de bofetadas que se escaparam realmente da minha mão.
Tinha descoberto a metralhadora de bofetadas, se assim o posso dizer, mas é o termo mais adequado.
Depois nunca mais pude ver aquela pretensiosa sem que, da minha mão, as bofetadas se lançassem como vespas ao seu encontro.
Esta descoberta compensou-me pelas odiosas palavras que me humilharam. É por isso que às vezes recomendo a tolerância no seio da família.
Henri Michaux
de Liberté d´Action
Antologia
Relógio d’Água, 1999
Tradução de Margarida Vale de Gato
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