As gaivotas-de-patas-amarelas- sobre lisboa

Escolhem o voo mais favorável
para responder à oscilação das marés
e sobrenadar os espaços ocupados
pelo eco litúrgico do trabalho

Tratam os sítios como equinócios,
quando esperam no cais pelas colunas
com a tainha a saltar dos barcos
que eclodem no lastro do vento

E à noite, as gaivotas-de-patas-amarelas
tão soberanamente livres
seduzem as colinas no bico
e transgridem o nome limpo da cidade

Grasnam e afrontam os sítios nasalados
e fazem perguntas inconvenientes
excedem todos os lugares admitidos
e insultam as pedras na imobilidade

Discorrem pelos telhados suspeitos
e lançam gargalhadas como assobios
baralham as fases das ruas enquanto
aceitam convites como promessas

E a cidade demora a recompor-se
a tentar encontrar respostas sensatas
para a rápida devastação por debaixo
das patas das gaivotas descomprometidas



Tiago Patrício
O livro das aves
Quasi edições, 2009
Prémio Daniel Faria 2009

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