Chove muito e a roupa no estendal está toda molhada
aconchego-me no calor de uma hesitação empírica
depois vou até aos correios olhar estupidamente para os guichés
volto não menos estupidamente para casa sem nada para olhar
e escrevo cartas atrasadas com os melhores cumprimentos
menos aquela em que te falaria da adequação dos corpos
solitários e da espera sem necessidade de feridas ou sofrimento
e da difícil aprendizagem nos dias chuvosos como o de hoje
seria uma carta sem intervalos nas palavras nem desculpas
seria uma carta breve sobre a arte de perceber o sim e o não
e seria lacrada com a marca dos meus lábios
mas agora o que fazer das nuvens que se rasgam em chuva?



Carlos Alberto Machado
Talismã
Assírio & Alvim, 2004

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