canto vigésimo quarto

A cona é uma teia de aranha
um funil de seda
o coração de todas as flores;
a cona é uma porta
que leva sabe-se lá onde
uma muralha
que se deve abater.

Há conas alegres
conas completamente loucas
conas espaçosas ou acanhadas,
conas de tostão e meio
bisbilhoteiras ou balbuciantes
e as que bocejam
sem dizer palavra
mesmo se as matas.

A cona é uma montanha
branca de doçura,
uma floresta onde os lobos circulam,
a carroça que puxa os cavalos;
a cona é uma baleia vácua
plena de escuridão e pirilampos;
a algibeira do pássaro
sua toca de dormir
um forno que tudo consome.

A cona no momento certo
é a face do Senhor,
a sua boca.

Pela cona nasceu
o mundo, com árvores, nuvens, o mar
e os homens, um de cada vez,
de todas as raças.
Da cona veio também a cona.
Diabos levem a cona!


Tonino Guerra
O mel
Assírio & Alvim, 2004

Sem comentários: