As raparigas amam muito. Riem
atrás das mãos uma manhã inteira
para esconder o vermelho dos
beijos que alguém lhes roubou e
um nome que vão deixar escapar
entre as primeiras palavras que
disserem. Vestem do avesso os
aventais de chita e fazem o leite
sobrar do fervedor e o caldo ser
mais salgado do que o mar. Mas
é bonito vê-las caminhar descalças
ao longo do corredor, como se
pedissem um par para dançar. As
raparigas amam tanto. Sentam-se
em rodas de segredos uma tarde
inteira e esquecem no tanque os
colarinhos sujos das camisas, e os
cueiros, e uma barra de sabão a
derreter-se como o seu coração.
Mas é bonito vê-las beijar a boca
ao espelho no quarto das traseiras;
e também a outra boca no retrato
que a seguir escondem amordaçado
na algibeira, não lhes cobice alguém
o que não tem. As raparigas amam
de mais. Deixam-se ficar sem dizer
nada uma noite inteira, bordando
no linho dos enxovais letras secretas
ao calor do fogão. E picam os dedos
distraídos nas agulhas que usaram
para descobrir o sexo de cada filho
que terão num jogo que jogaram
entre elas à tardinha. Mas é bonito
vê-las ao serão, quando o vento as
chama atrevido da cozinha e dão
um pulo seco na cadeira, e largam o
bordado e a lareira, e correm até à
porta a colher beijos que lhes deixam
risos nos lábios tão vermelhos como
as mais doces cerejas deste verão.
Maria do Rosário Pedreira
Nenhum Nome Depois
Gótica
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