a pele da parede

um rosto vasculha a terra
à procura de crateras

o dorso da água está submerso
a lanterna ilumina cores e feixes

do fundo da renda surgem
laranjas apodrecidas pela água
os olhos não acreditam na vegetação

a terra treme
do núcleo da cratera expele-se saliva
o rosto solidifcado pela corrente
exibe líquenes

é este o retrato que encontro
quando vaza a maré da carne


amanhece a maresia

diagnóstico: doente de gana
empobrece com os níveis de ócio à luz solar
as unhas crescem como um jardim plantado
no cérebro de klee
vão cuspindo a massa pela nudez do dia
assim todos os dias

em qualquer manhã
a areia sobre a boca
mistura-se com o esperma
e o perfeito animal enfia o braço
na moldura das horas

as manhãs agarram-se aos dentes
amanhece o pão dentro de
razões respiratórias - aqui nasce
um cemitério vestido de palavras


o lençol está gravemente ferido
causa: o réptil excedeu-se
nas filmagens de um sonho

a carne mostra a tatuagem
do medo: a solidão é obscura

o lençol estendido na varanda
alimenta o tanque onde nascem ervas

as costas voltadas
o corpo supreende pela insistência
nem que os poros suguem a nicotina

lentamente o abandono torna indiferente
a música que foi oferecida pela língua
a presença do pólen
distrai as vagas que o azulejo produz


um enxame de abelhas
surge pela fissura do abdómen
vêm sugar o sangue seco
resultado do assassínio da sombra
à beira do deserto

veja-se o rasto:
gotas de óleo nas portas
roupa estendida pelo chão
que cobre um livro de reclamações

no corredor que nasce da lava
as mãos deixaram marcas
preparam o regresso

quando o espelho surge
alérgico nos movimentos
perdura o motim do tempo


o regresso natural ocupa-se dos terrenos
a formação da oclocracia
povos inspiram folhas secas
as abelhas largam as asas para
alimentar o organismo humano

o sal anestesia a gana
infiltra nos dentes a bênção
arrasta-se pelo mar
até ao momento da erecção
ali permanece seguro
ancorado

o planeta limpa os poros
e extermina as células mortas

as paredes brilham com a presença das estrelas
a caminho do escuro ficam as árvores de frutos


o corpo recebe
lucidez e claridade
usa-se a si próprio
em domínio

a escultura que resta na terra
foi descrita pelo locutor
como uma embolia retalhada

é uma dança singular
voltar a viver


m. parissy
mãos de arquipélago
black sun editores, 2003

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