Quando eu morrer,
Os meus versos, todos que encontrares,
Sem escrúpulo algum, corre a rasgar.
Porquê, vou-te dizer:
São sentimentos, rimas de tristeza,
Que o coração ditou.
Têm, talvez um pouco de beleza,
São histórias da vida que passou
E, se quiseres, algumas pessoais;
Mas, no fundo, a todas são iguais
E delas pouco o mundo se interessou.
E, depois, na língua portuguesa,
Aonde a poesia é realeza,
A minha não riscou.
Rasga-os, pois, em pedaços pequeninos,
Assim como se fosse «confetti»,
P'ra que, num carnaval que já não vi,
Possam ser lançados por meninos
Na lama das ruas da cidade,
Servindo assim de gáudio à mocidade.
Ou então, talvez melhor:
Fá-los em cinza, mas não a dês ao vento,
Para quê o mundo saber o meu lamento
Ou ir troçar e rir da minha dor?
.........................................................................
Compra um cofre igual àquele que guarda
As cartas que escreveste apaixonada.
Será, será melhor!
Coloca-o, depois, no meu caixão
E, se puderes, bem junto ao coração,
Embora já parado e sem amor.
........................................................................
Será, na vida, de tantos que te devo,
- Por isso o escrevo - o último favor.
José Manuel Pyrrait
Entardecer
Sociedade Industrial Gráfica, Lisboa, 1965
Sem comentários:
Enviar um comentário