espera-se pelo fim da tarde

Espera-se pelo fim da tarde como quem espera
um barco. O ar em forma de cais.
Na proa estarão vozes de cigarra afogadas em sons de
mel. Os talheres do verão fazendo faísca.

Concentrados nos intestinos do chão, desde um mo-
mento anterior a mim, todos os chilreios como estes,
sacudidos em socalcos contra as paredes do tubo, num
badalar infernal.

Uma bola branca faz ricochete nas arestas de viga.
O som, o eco, o murmúrio, a pequena tendência para
vácuo infinitamente grande, no horizonte de espelhos
face a espelhos, perdendo-se como uma formiga, para
trás, no mais fundo de nós.

É rápido: no fugir do sol, o céu dá uma dentada no dia.



Manuel Cintra
Empare(dar)
& etc - subterrâneo três, 1984

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