Esta criança é uma lâmpada que assustada
se apagou. Nem mapas nem paisagens já
nada a espanta ; nada a pode já espantar-
o mundo conhece-o pequeno: é uma prisão
tão apertada ao corpo que lhe tolhe os desejos
e o riso, os jogos e a invenção.
O seu poço, os ecos que nele teriam
brilhado, o labirinto fragrante dos tecidos
dos arcos e das portas casa após casa
são agora ruínas sobre ruínas, escombros
que já caiadas salas e quartos foram, ruas
fendidas sob o céu estéril dos assassinos.
Esta criança tem nas costas tatuada a origem
que se cola ao seu futuro, empurrando-a
para lá, para o destino destinado - de onde vens tu?
- venho de lá e vou para lá. - Não tem origem
que lhe dê p´ra muito mais que uma morte
repetida que cala os lugares e apaga as vozes.
No cinema que ondula a negro entre o seu crânio
e a abertura solar dos olhos - é sempre a catástrofe
um desastre que regressa. Os bárbaros desta vez
vieram numerosos e diversos mas nem sequer
eram parte da solução. Não eram parte de nada
apenas iam e vinham do outro lado deste lado.
É difícil mas supõe que esta criança terá conhecido
uma glória um tempo: Andava de bicicleta
numa paisagem de palha ; com os seus se batia
em alta grita. Apedrejava pássaros, cães e soldados.
Agora só uma pequena víbora se deita com ela
no sono e no sonho a morde e a interrompe.
Esta criança é breve.
Manuel Gusmão
Migrações do Fogo
Editorial Caminho, 2004
1 comentário:
gostei desta criança, não por ser breve mas por ser criança... tanto quanto gosto do manuel gusmão.
feliz por vir aqui e ver este "nosso" mundo crescer.
um beijo
mar.
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