às vezes

para a susana

às vezes
estou num ponto da casa,
e sei, e sinto,
que tu estás algures
noutro ponto
da mesma casa.

e sinto, e penso:
demos mais um passo
para a vida eterna.
cada um de nós deu mais
um passo
em direcção à sua morte.

e perdemos mais este momento
em que podíamos ter falado,
ou entretecido bocas
e olhares.

tomámos, em diferentes
sítios da casa,
diferentes caminhos;
iniciámos trajectos
discordantes
em direcção ao nosso
desaparecimento
na noite do espaço/tempo.

quando nos despedirmos,
que diremos?
até onde, até quando?

será possível termos
partilhado tanto,
e partir assim sem aviso,
como se nos tivesse sido roubada
toda a história anterior?

por isso, peço:
quando estiveres para morrer
noutro ponto da casa,
por favor diz primeiro.

combina comigo,
para eu ir morrer lá também.


Vítor Oliveira Jorge
Pequeno Livro de Aforismos
Seguido de Algumas Alumiações
Porto, 2005

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