Ainda não

Ainda não
não há dinheiro para partir de vez
não há espaço de mais para ficar
ainda não se pode abrir uma veia
e morrer antes de alguém chegar

ainda não há uma flor na boca
para os poetas que estão aqui de passagem
e outra escarlate na alma
para os postos à margem

ainda não há nada no pulmão direito
ainda não se respira como devia ser
ainda não é por isso que choramos às vezes
e que outras somos heróis a valer

ainda não é a pátria que é uma maçada
nem estar deste lado que custa a cabeça
ainda não há uma escada e outra escada depois
para descer à frente de quem quer que desça

ainda não há camas só para pesadelos
ainda não se ama só no chão
ainda não há uma granada
ainda não há um coração


António José Forte
Uma Faca nos Dentes
Livraria Editora, Lda.

3 comentários:

bruno vilar disse...

eu tenho a cavilha entre os dentes e o engenho explosivo no lugar mal situado que ambos sabemos.

Lembro-me do poema do terrorista que a polaca da minha caixinha cardíaca escreveu.

mar disse...

este é um dos melhores poemas de antónio josé forte que aqui nos deixaste. possivelmente por ser o mais cru, o que pesa mais nos calcanhares, o que nos faz cair.
mais uma vez parabéns pela escolha e que no lugar do coração nasça uma flor.

mar.

. disse...

autêntica granada. muito bom este poema,

*