Um pequeno-almoço histórico

Um homem aproxima uma chávena de café da cara, inclina-a para a boca. É histórico, pensa. Ele coça a cabeça: outro acontecimento histórico. Devia era descansar, está a produzir uma quantidade imensa de história logo de manhã.
Credo, agora está a barrar torradas com manteiga, outro bocado de história a fazer-se.
Ele espanta-se por ter-lhe sido destinado ser tão histórico. Outros provavelmente não o têm, pensa, é, ao fim e ao cabo, um talento.
Ele pensa que um dos seus atacadores precisa de ser apertado. Ah bom, mais um acontecimento histórico importante que está para acontecer. Não o pode evitar. Estará talvez a ocupar uma faixa demasiado grande de história? Mas tem que viver, não tem? As torradas necessitam de manteiga e ele não pode andar por aí com um dos atacadores desapertados, pois não?
É certamente verdade, que quando escreverem todo o século XX será principalmente acerca dele. É a forma como o bolo se esmigalha - ah, aí está uma frase que será citada nos séculos vindouros.
Convencido? Um pouco; como pode evitá-lo observado por todos os olhos ainda por nascer do futuro?
Oh, oh, sente outro acontecimento histórico a chegar... Ah, ai está, uma chávena de café a aproximar-se da cara na ponta do seu braço. Se conseguissem registar isso em filme, quanta importância não teria para o futuro.
Bolas, derramou-o todo no colo. Um desses acidentes históricos que influenciarão os próximos mil anos; imprevisível e até muito desconfortável... Mas a história nunca é fácil, pensa ele...



Russell Edson
O Túnel
Assírio & Alvim, 2002
Tradução de José Alberto Oliveira

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