o silêncio

(...)
então o mar vinha vindo pelo crepúsculo adiante, até bater na orla do jardim, a espuma saltando até às janelas, disse, e ele riu, seguro de si, porque ela dizia sempre coisas impossíveis - mas havia uma distância enorme, desde logo em altura, entre a casa e a praia, afirmou, e ela corrigiu a falsidade, experimentou com outras palavras - então assim: havia uma enorme distância, desde logo em altura, entre a casa e a praia, mas ela imaginava que o mar vinha vindo pelo crepúsculo adiante e que a espuma batia nas janelas, sobre as quais tu corrias um cortinado verde-escuro, com anémonas brancas,

mas não eram anémonas, eram flores não especificadas, e não eram brancas, mas rosa-pálido, e ela corrigiu, porque ele a obrigava: flores brancas, não especificadas, que aliás não eram brancas, mas rosa-pálido, e do jardim subia o cheiro da lúcia-lima,

mas nunca houve lúcia-lima, disse ele, você é tão inexacta,

o cheiro do rosmaninho, do tojo, do alecrim bravo,

mas não havia rosmaninho, nem tojo, nem alecrim bravo, porque é que você refere sempre justamente o que lá não estava,

então ela retirou o rosmaninho, o tojo, o alecrim bravo e a lúcia-lima, retirou o jardim, a casa, o mar e a praia, e reconheceu que eles eram um homem e uma mulher que não se amavam, porque não conseguiriam falar nunca.

Teolinda Gersão
O Silêncio
Publicações Dom Quixote

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