Não é verdade que o céu seja indiferente às nossas preocupações e anseios. O céu está constantemente a enviar-nos sinais, avisos, e se não dizemos bons conselhos é porque a experiência de um lado e do outro, isto é, a dele ou a nossa, já demonstrou que não vale a pena esforçar a memória, que todos a temos mais ou menos fraca. Sinais e avisos são fáceis de interpretar se estivermos de olho atento, como foi o caso do comandante quando sobre a caravana, em certa altura do caminho, caiu um rápido mas abundante aguaceiro. Para os homens da força, empenhados no penoso trabalho de empurrar o carro de bois, aquela chuva foi uma bênção, um acto de caridade pelo sofrimento em que têm vivido sujeitas as classes baixas. O elefante salomão e o seu cornaca subhro desfrutaram do súbito refresco, o que não impediu o guia de pensar no arranjo que lhe faria futuramente um guarda-chuva em situações como esta, principalmente no caminho para viena, de poleiro e protegido da água que caísse das nuvens.



José Saramago

A viagem do elefante
Editorial Caminho, 2008

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