O livro em branco

O livro estava em branco, todas as palavras tinham caído.
O marido disse-lhe, o livro está em branco.
A mulher disse, aconteceu-me uma coisa estranha a caminho do momento actual.
Eu estava a sacudir o livro, para eliminar todas as gralhas, e de súbito todas as
palavras e a pontuação também caíram. Talvez todo o livro fosse uma gralha?
E o que fizeste às palavras? disse o marido.
Embrulhei-as e mandei-as para um endereço fictício, disse ela.
Mas ninguém lá vive. Não sabes que é raro alguém viver num endereço fictício.
A realidade quase não chega para fornecer um simples endereço postal, disse ele.
É por isso que as enviei para lá. Palavras todas misturadas podem de repente
coalescer em boatos e mexericos maliciosos, disse ela.
Mas estas páginas em branco não representam também um convite perigoso a
boatos e mexericos maliciosos? Quem sabe o que alguém pode distraidamente
escrever? Quem sabe o que o acaso poderá fazer com um convite tão perigoso? disse ele.
Talvez tenhamos que nos enviar para qualquer endereço fictício, disse ela.
Será porque as palavras continuam a sair das nossas bocas, palavras que poderiam
facilmente originar boatos e mexericos maliciosos? disse ele.



Russell Edson
O Túnel
Assírio & Alvim, 2002
Tradução de José Alberto Oliveira

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