Há domingos assim

Há domingos assim em que o nevoeiro poisa múltiplos pés miúdos no mar
e os múltiplos pés miúdos que poisa já de si no mar
se vão ainda desvanecendo multiplicando minuto a minuto
e o nevoeiro é uma vasta mão no mar e algumas casas brancas da vila ao longe
cada vez mais longe
que há pouco na névoa eram ainda mais brancas alvejavam visivelmente mais
se perdem também agora na imensa superfície indecisa levemente móvel
infinitamente divisível boiando no espaço dissolvendo tudo até mesmo o mar
Não há muito ainda se viam homens simplificados em vultos jogando talvez
ao chinquilho junto do forte
havia o ruído da ronca agora estou só aqui nesta ponta de terra
nesta ponta de tudo com os pés nesta desmedida vontade de partir
mas não para aqui ou para ali nem para paisagens sabidas saídas das páginas
de romances
perdidos nos dias da infância nem para cidades distantes onde vivi talvez e oiça
vozes de amigos
e devo ter-me alguns dias sentido bem respirar mais fundo num ou noutro
local
partir não para aqui ou para ali mas apenas partir afastar-me daqui
sentir-me ir estando mais longe cada vez daqui sem chegar a sítio nenhum
caminhar descoberto ao longo dos primeiros caminhos de chuva
Havia aqui roupa estendida havia aqui crianças completamente absortas nas
nas suas vidas
detentoras de um nome ou que quando eu dizia alto um nome logo nasciam
e eram coisas perto de mim coisas muito rentes coisas mesmo à mão



Ruy Belo
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