A minha cara digitalizada no ecrã bruxuleante. A meio da rua um portal, um metro quadrado de passeio, dois metros cúbicos de ar, cenário no qual para materializar-se o tempo [ emboscado na sua abstracção sem massa nem peso] saqueará a recordação. O tempo a teu lado mostrou-me que não há mais razões para crer na impossibilidade da vida após a morte das que há igualmente em crê-la impossível antes. Que a cada instante a luz chega e faz-te feliz e bem feito são beijos que lançaste e em forma de verdade irrefutável [invisível] regressam [ quem vê a luz]. Que a solidão do velocista supera a do corredor de fundo não porque chega primeiro, senão porque imagina que chegará primeiro ; mas, aonde. Sem dizer palavra, olhavas fixamente, apertavas minha mão, choravas e chovia. Vi claramente nesse instante [súmula de instantes] porque era tão bom o verso tão mau que antes de morrer recitou o Replicante, porque em teus olhos vi coisas que nem eu nem ninguém havia visto, e perder-se-ão todas [morte e vida são simultâneas] como tuas lágrimas na chuva. Não houve desta vez nenhum pássaro branco em voo para dizermos que algo morre em luz saturada para que outra coisa nasça no vazio [disseram-no Heisenberg, Heráclito, Burgalat, tantos]. Apenas opacidade transparente. Agora somente aspiro às enumerações.

Agustín Fernandéz Mallo
Carne de píxel
Dvd Ediciones, 2008
Tradução de Bruno Sousa Villar

3 comentários:

moriana disse...

Texto lindissimo, uma referência para permanecer. Não conhecia.

bruno vilar disse...

http://www.alfaguara.santillana.es/blogs/elhombre : o blogue do autor.

Dos textos do Agustín concluímos
que ciência e poesia não são antípodas do ser.

Seguir-se-ão mais traduções - caseirinhas -do "Carne de Píxel".

Cumprimentos, colega(s)

Liliana Gonçalves disse...

não conhecia,

e que venham mais "traduções-caseirinhas" do "Carne de Píxel"

:)