Nada existe que não tivesse começado.
Mesmo na lonjura, decisiva porção iluminada,
em territórios despojados de todo o fim, em
areais de mares a desaguar desconhecidamente,
mais não olhamos senão a extensão do que vimos.
Se campos da livónia vão dar a campos da mazúria,
se mosaicos amaciam na água de banhos mornos,
e além houver só cemitérios seguindo cemitérios, e
a meio deles, parado sem vento, o bosque de bétulas,
se o sol é o lume do azeite a esmiolar o pão
ou o clarão lascado nas muralhas de helsingor,
se o enredo da morte é igual em toda a parte,
seja na flauta de santa maria ou no gaiteiro de tallinn,
é porque modulamos num lugar o que lastrou de outro.
Mesmo sem querer, ou sejam sombras afastando-se,
mais não tecemos que a linha de acasos e acertos
que uma corrente conduz, a cada um, em separado,
à passagem mais sensível do acabamento.
Mesmo isolando os lugares numa função laboriosa,
detalhando as suas divergências, e as pontas extremas
- a parecença entre o que são e o que pensámos serem,
mesmo nas regiões cruzadas por comboios extensos,
onde a noite cairá em escamas de lavanda,
seguiremos a mesma história - afundamos os pés no mesmo solo.
Naquilo por que vamos repetidamente levados,
ansiando o que se manifeste acolá na próxima enseada,
alisando com a mão os castanheiros onde inscrevemos, depois
de outros, nossos sinuosos nomes, nossos amores,
sempre tornamos ao ponto em que tudo se repete e inicia,
de que atingimos apenas um minuto só - um instante,
a lâmina que medeia o ano que passa e o ano que vem.
Rui Coias
A Ordem do Mundo
Quasi Edições, 2005
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