clara haskill

e há sempre uma história das pessoas ouvida com o que somos,
uma narração a prolongar a acústica dos sóis interiores, destinos
quando a tarde esmorece, por exemplo, aos

sessenta e cinco anos, clara haskill caiu na plataforma
da gare de bruxelas. veio a morrer
das complicações da queda. mas antes já tivera

problemas da coluna e da vista, já
tivera de fugir da alemanha. estas notas
vêm na capa do disco em que ela, a intermediária

de mozart, toca o concerto em ré menor, numa aura
de densidades graves. você está deitada no sofá
a ler um livro, quando eu lhe digo isto. não

sei se presta atenção, ou se apenas sorri como a música requer
e a haskill desejaria. a música é sempre autobiográfica
para o ouvinte, uma acelerada angústia desmedindo o que

ousávamos saber. e uma íntima aliança com a luz
e o inominável da experiência fazem
o sublime dessas marginalidades da vida.

vasco graça moura
A furiosa paixão pelo tangível
quetzal

1 comentário:

mar disse...

também eu espero a manhã estando sozinha, quando o silêncio interrompe o que sou e estar sozinha se torna uma cruz pesada onde o fundo do poço não tem um fim denominado possível.

vasco graça moura sempre será das minhas escolhas.

um beijo
deste
mar.