Fui às palavras ao mercado,
para que me digam: olá loirinho, olha
que bonito está! Foste ao barbeiro?
Quanto tempo sem te ver, onde andaste?
E os meninos? Devem ter crescido muito.
E a tua esposa, que diz a tua mulher,
já te deixa vir sozinho ao mercado?
Se fosse eu não te tirava a vista de cima,
mas vê la o que fazes, que a chamo.
Morreu, ia dizer-lhe,
mas preferi comprar-lhe ovos,
meio frango e um coelho.
A vida surpreendentemente é doce
quando tudo se passa como se o tempo não passasse,
como passa nos contos, na cama,
na expressão dos meus filhos ao dizerem-me que estou feio
ou nas noites que não fecham bruscamente a janela.
Olha, pai, não te zangues,
sei que tens um montão de trabalho
que agora estás muito só e triste
que o telefone não pára de tocar
e que por qualquer coisa choras
e nos gritas e nos mandas embora
para não te incomodar.
Estás assim há mais de um ano
mas como tomámos banho e nos vestimos,
te acompanhamos ao mercado,
te abraçamos e tentamos ser alegres
e que tenhas o cinzeiro sempre limpo,
estás certo de que tudo corre bem
e de que ela só a ti fazia falta.
Olha, não te zangues,
mas preciso de saber que ainda nos amas,
que não é certo o que dizem de nós,
e o meu irmão um caderno de espiral para o colégio.
Não te zangues se te digo tudo isto,
mas nem reparaste em que já sei escrever
e que há já cinco dentes que não passa o rato Pérez.
Jordi Virallonga
Quanto sei de mim
Editorial Teorema
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