Deram-nos a terra

"Depois de tantas horas de caminhar sem encontrar nem uma sombra de árvore, nem uma semente de árvore, nem uma raiz de nada, ouve-se o ladrar dos cães.


Às vezes chegamos a acreditar, no meio deste caminho sem margens, que depois não haverá mais nada; que não se poderá encontrar nada do outro lado, no fim desta planura rachada de gretas e de arroios secos. Mas sim, há algo. Há uma aldeia. Ouvem-se a ladrar os cães e sente-se no ar o cheiro do fumo, e saboreia-se esse cheiro de gente como se fosse uma esperança.
Mas a aldeia está ainda muito para lá. É o vento que a aproxima.
Viemos caminhando desde o amanhecer. Agorinha devem ser para aí umas quarto da tarde. Alguém se assoma ao céu, estica os olhos para onde o sol está pendurado e diz:
- São para aí umas quarto da tarde.
Esse alguém é o Melitón. Com ele vamos ver o Faustino, o Esteban e eu. Somos quarto. Eu conto-os: dois à frente, outros dois atrás. Olhos mais para trás e não vejo ninguém. Então digo para mim próprio Já pouco, aí às onze, éramos vinte e tal; mas pouco a pouco foram-se dispersando até não ficar mais nada que este novelo que somos nós.
Faustino diz:
- Pode ser que chova.
Todos levantamos a cara e olhamos uma nuvem negra e pesada que passa por cima das nossas cabeças. E pensamos:
Não dizemos o que pensamos. Há bastante tempo que se nos acabou a vontade de falar. Acabou-se com o calor. Uma pessoa conversaria com muito gosto noutro sítio, mas aqui dá muito trabalho. Uma pessoa põe-se a conversar aqui e as palavras aquecem na boca com o calor lá de fora, e secam-nos a língua até nos deixarem sem fôlego.
Aqui as coisas são assim."



Juan Rulfo

A planície em chamas
Cavalo de Ferro, 2003
Tradução de Ana Santos

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