Queria pintar os anjos.
Levara algumas palavras altas, música.
Ninguém pinta os anjos mas uma força, as formas dessa força
por exemplo: sopram os átomos,
acende-se o cabelo, mãos faíscam: cada
coisa que tocam essa
coisa faísca.
Eu precisava de silêncio, disse ele.
A maneira visitada de assim dormir com a noite,
territórios fechados da cabeça, os braços.
Escuta esta música: esta riqueza, dor da memória, jubilação.
As palavras verde na sombra, entusiasmo do branco, ouro
dimanado - música, música.
Anjo.
Há dias tão difíceis que preciso do arco-íris, diz ele,
trato dos cortiços, as abelhas bruxeleiam no sono, fazem mel, o mel
alucina-me,
escurece-me.


Herberto Helder
Poesia Toda
Assírio & Alvim, 1996

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