Mamã

A mamã não sabe o que é um sentimento. Se lhe pedirem para amar, ela deita-se no chão, abre as pernas e, qual cadela no cio, pede: «Entra.» A mamã poderia ter o homem que quisesse, desde que quisesse apenas um e não todos. Querendo todos, nenhum a quer, e os que a procuram exageram na potência. Acertam-lhe com murros e pontapés. A mamã pensa que, se o homem lhe bate, é por adorá-la. Quando lhe batem, ela sente-se amada e, como não sabe exprimir-se através de sentimentos, ama de volta, oferecendo sexo ao agressor. Possui-me porque agora estou a amar-te, deve pensar a mamã, e o agressor vê o seu trabalho reconhecido. Uma sessão de sexo por cada sessão de pancadaria. Tenho de bater-lhe mais vezes, deve pensar o agressor. A mamã não tem tino. O murro acerta na face, a mulher levanta a saia, o homem baixa as calças, a mulher finge prazer, o homem pensa que é o símbolo machão, a mulher faz ai-ai, o homem desfaz-se em suor, a mulher faz mais ai-ai, o homem é machão. A mamã ganharia muito se percebesse que, apesar do seu aspecto grotesco, o representante masculino da espécie humana não exprime os seus afectos do coração com as nozes dos dedos. O homem apaixonado oferece flores, bilhetes para o cinema, jóias, carinho, qualquer coisa, menos um murro. A mamã fica assaz vaidosa depois de cada bofetada que o seu companheiro lhe oferece. Sinal que se preocupa com a mulher. O estalo é dado para que a mulher se sinta reconhecida. Sim, senhor, este gosta mesmo de mim. A mamã foi empurrada, ficará dorida durante algum tempo. Em reconhecimento disso, aproxima-se do seu agressor, despe-o e entrega-se a ele.



Paulo Rodrigues Ferreira

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