I
O amor que é só o amor é já o inferno
diz Dante
mas isso era antes de ser traduzido pelos palhaços
era quando os Titãs asseveravam
que só no interior de grutas inabordáveis
sob gigantescas moles de granito
haviam conseguido viver livres
Era quando o inferno queria ser inferno
e para aborrecimento dos tenentes do empíreo
não havia a menor possibilidade de drama
depois houve e logo um fez a todos palhaços
os que estavam em baixo alaram os pés, para cima
os que estavam em cima puxaram a pista, para baixo
Fez-se um grande intervalo
este intervalo onde ainda hoje a Terra rola à força de vácuo
com homens que crescem e minguam pela força de inércia do vácuo
abandonados pelos grandes faz-tudos
que riem lá muito em cima e ainda mais lá em baixo
E que quer dizer isso de amor só amor?
partes alíquotas de dois na cama
que Dante nunca viu aos pés de Beatriz
Petrarca também não ao pescoço de Laura
Abelardo esse então no ventre de Heloísa
Tudo isso são histórias de encarregados
que andam a ver se não pagamos a conta
se damos sem vencimento a letra antiga
marcada a hebraico na carcela da história
são contos miseráveis de miseráveis
com vinte e cinco séculos de ódio ao corpo
o único transporte navegável
a única matéria que se aguenta
e aguenta
com dentro dele a linfa que varre tudo
O amor que é só o amor é já o inferno?
Bandido
Inferno é o nome do primeiro amor?
Vadio
Vós que entrais perdei toda a esperança?
Gatuno
II
Primeiro segundo terceiro quarto quinto
ao homem dos elevadores o cuidado de prosseguir
mas que amplexo de homem poderá dividir
somar
subtrair
o amor seu amor todos os braços da esfinge?
essa que quatro ao raiar da manhã
essa que dois ao longo do sol a pino
essa que três quando caída a noite
os passos voam no areal do tempo
O amor só amor é já o inferno
diz Dante
mas é o amor que é um fogo devorante
Não me refiro à prestação do calor
o pra baixo e pra cima também os êmbolos fazem
e todos os dias vêm navios ao mundo
Refiro por exemplo a estrela sextavada
que há no corpo do rio que é o amante
é aí que o amor é um fogo devorante
III
Aqui o limbo além o paraíso além o inferno
que cheiro a despegado meu general
Eu todos os meus anjos vão juntos para a guerra
Se falta algum é como faltar o chão
Mário Cesariny
Uma Grande Razão: Os Poemas Maiores
Assírio & Alvim, 2007
Sem comentários:
Enviar um comentário