As unhas

De dia, dóceis meias as afagam e sapatos de couro cravejados as fortificam, mas os dedos do meu pé não querem saber disso. Não lhes interessa outra coisa senão emitir unhas: lâminas córneas, semitransparentes e elásticas, para se defenderem de quem? Brutos e desconfiados como só eles são, não deixam um segundo de preparar esse ténue armamento. Recusam o universo e o êxtase para continuar elaborando sem fim umas vãs pontas, que cerceiam e voltam a cercear os bruscos tesourões de Solingen. Nos noventa dias crepusculares de clausura pré-natal estabeleceram esta única indústria. Quando eu estiver depositado na Recoleta, numa caixa de cor cinzenta provida de flores secas e talismãs, continuarão o seu obstinado trabalho, até que as modere a corrupção. Elas, e a barba na minha cara.



Jorge Luís Borges

O Fazedor
Difel, 1982
Tradução de Miguel Tamen

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