«Requiem por um desconhecido» - Claude Chabrol (1969)

Chamem-lhe arcaísmo, se quiserem,
mas eu penso que a vingança
ainda tem lugar no coração da justiça.
Quando o corpo é ofendido e perde sangue
aos borbotões, a lei é uma compressa
ineficaz, não estanca a dor que sentes.

Se te arrancam a mão direita, tu vais pôr-te,
com a esquerda, a coçar a cabeça?
Não vais. Há dívidas que só podem
ser cobradas por quem sofre.

Orestes, que não tinha, felizmente, advogado,
fez o que lhe competia.
Tivesse ele posto uma acção em tribunal
contra Clitemnestra e - quem sabe -
ainda hoje andaria por aí, de crânio na mão,
a soluçar como um pateta vindimado:
ser ou não ser, eis a questão.

Não. A lei não dá conta de todo o mal.
Às vezes é o sangue, por estranho que pareça,
o melhor detergente. Nisto me fundo
para reclamar de vós, juízes, a absolvição.



José Miguel Silva
Movimentos no Escuro
Relógio d'Água, 2005

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