Os carpinteiros de caixões de San Domenico ainda hoje contam histórias sobre ele, corvos pisando um mar de serradura
murmuram lendas de cadáveres desaparecidos, baladas feitas de uma liga de magia e indústria.
Ah, as invenções que o cérebro fervilhante do príncipe gerou há muito que se perderam!
Era preciso um livro inteiro para as descrever em pormenor.
Durante anos viveu isolado. Nos seus fornos, a matéria sonhava com metamorfoses.
Depois apareceu, no meio de fogo de artifício. No palco pirotécnico, as chamas mostravam,
em fabulosas gravuras, palácios, varandas, jogos de água e árvores, feitos de centelhas que subiam aos céus,
e os foguetes imitavam artificialmente o chilreio dos pássaros.
Hesitando entre o útil e o fantástico, um áugure perspicaz e bizarro,
branqueia a ametista em diamante, coze o mármore para obter lápis-lazúli,
e da resina extrai mármore;
do dente-de-leão, que aqui cresce por toda a parte, faz a mais fina seda, e também chapéus e couro
para sapatos, bem como papel. Mais não se pode pedir a uma planta.
Imprime cinco cores a partir de uma chapa, e de uma só vez (mas nós não acreditamos em tudo).
Construiu um veículo neptúnico que, majestosamente, andava
sozinho pelo mar,
sem recurso a qualquer força motriz visível; o rei ficou
altamente surpreendido
quando viu o carro a caminhar sozinho para a água (nós não duvidamos disso).
Esta ciência era como uma droga. Usando cinábrio e mercúrio,
ouro e madrepérola,
fazia correr o sangue dos santos em cores psicadélicas.
Outros afirmam:
Ele era capaz de tornar a água do mar totalmente doce.
Um charlatão?
Migalhas para ratos de biblioteca. «História da cultura». Potpourri cheio de bolor.
Mas aquilo que nos olha fixamente na cripta do mestre é uma prova:
os dois esqueletos
envolvidos por uma rede imbricada de artérias de cobre, cadáveres metalizados,
enigmáticos, de cor violeta,
preparados até aos mais minúsculos capilares do globo ocular e dos rins.
Sabe-se apenas
que estes dois lhe caíram na mão ainda vivos. Um monstro, então?
Ele ergue-se, uma alegoria de mármore enredada numa rede marmórea,
diante do seu palácio.
Mas quem é o anjo a seu lado, o génio com a tocha que o
encobre, descobre,
livre da sua loucura ou nela envolto? Quem é, a esta luz
crua e cegante,
o mágico? A vítima do embuste? O iluminado? O embusteiro?
murmuram lendas de cadáveres desaparecidos, baladas feitas de uma liga de magia e indústria.
Ah, as invenções que o cérebro fervilhante do príncipe gerou há muito que se perderam!
Era preciso um livro inteiro para as descrever em pormenor.
Durante anos viveu isolado. Nos seus fornos, a matéria sonhava com metamorfoses.
Depois apareceu, no meio de fogo de artifício. No palco pirotécnico, as chamas mostravam,
em fabulosas gravuras, palácios, varandas, jogos de água e árvores, feitos de centelhas que subiam aos céus,
e os foguetes imitavam artificialmente o chilreio dos pássaros.
Hesitando entre o útil e o fantástico, um áugure perspicaz e bizarro,
branqueia a ametista em diamante, coze o mármore para obter lápis-lazúli,
e da resina extrai mármore;
do dente-de-leão, que aqui cresce por toda a parte, faz a mais fina seda, e também chapéus e couro
para sapatos, bem como papel. Mais não se pode pedir a uma planta.
Imprime cinco cores a partir de uma chapa, e de uma só vez (mas nós não acreditamos em tudo).
Construiu um veículo neptúnico que, majestosamente, andava
sozinho pelo mar,
sem recurso a qualquer força motriz visível; o rei ficou
altamente surpreendido
quando viu o carro a caminhar sozinho para a água (nós não duvidamos disso).
Esta ciência era como uma droga. Usando cinábrio e mercúrio,
ouro e madrepérola,
fazia correr o sangue dos santos em cores psicadélicas.
Outros afirmam:
Ele era capaz de tornar a água do mar totalmente doce.
Um charlatão?
Migalhas para ratos de biblioteca. «História da cultura». Potpourri cheio de bolor.
Mas aquilo que nos olha fixamente na cripta do mestre é uma prova:
os dois esqueletos
envolvidos por uma rede imbricada de artérias de cobre, cadáveres metalizados,
enigmáticos, de cor violeta,
preparados até aos mais minúsculos capilares do globo ocular e dos rins.
Sabe-se apenas
que estes dois lhe caíram na mão ainda vivos. Um monstro, então?
Ele ergue-se, uma alegoria de mármore enredada numa rede marmórea,
diante do seu palácio.
Mas quem é o anjo a seu lado, o génio com a tocha que o
encobre, descobre,
livre da sua loucura ou nela envolto? Quem é, a esta luz
crua e cegante,
o mágico? A vítima do embuste? O iluminado? O embusteiro?
Hans Magnus Enzensberger
Mausoléu
Livros Cotovia, 2004
Tradução de João Barrento
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