um sinistro rumor o destes campos por onde corre o lobo:
rente à neve, procura na cegueira o esconderijo.
Sobre a estepe, o olho silencioso continua:
tudo o que viu é um jogo simultâneo
que o corpo atravessa com a pesada mancha informe.
É sempre o mesmo corvo e a mesma fome,
há sempre lapsos entre os mortos, mas liga-os
a indiferença dos dedos: de conta em conta, de prece em prece,
com a sua velhice que o tempo foi empurrando contra as unhas.
Hoje, na boca dos homens mudou o nome de deus,
os mortos porém continuam, a intervalos regulares,
enquanto anónimas faces investigam o que se perdeu;
hoje, o amor não tem tempo para a traição:
simples encontro de uma dor com uma dor,
nos nossos olhos queimados pela sombra


a cada passo a noite acrescenta-nos
um pouco de silêncio



Rui Nunes
Ofício de Vésperas
Relógio d'Água, 2007

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