vaguear pela aldeia e descobrir o pó entre duas casas, a teimosia
que um besouro constrói na terra com as patas: a bola de exre-
mentos rola aos solavancos, acompanha-a o som árido com que
as moscas esbatem a sombra.
a mão surge na fresta, cola-se à ombreira e ajuda o corpo a encurvar-
-se, para que se abrigue nele um pouco de frescura:
a eternidade atravessa a sua longa repetição
o peso do adobe: centelha de pó em queda pela luz
rua a rua, muro a muro, o esquecimento é a nossa alegria
a voz abre na manhã a sombra
de uma pausa, o cão leva o silêncio
na corrida, quem se ergue expõe
o vento rudimentar do abandono
recupera a palavra como um deus a extinguir-se
uma longa morte
a tua longa morte;
recupera a morte nos seus trâmites intensos:
os caminhos de um corpo no olhar de outro corpo
até à mão a encolher-se num movimento incerto:
sobre os lábios, contra os lábios, já não esconde
o nome do segredo;
recupera a voz que não reconheces,
a sua estranheza onde não reconheces a pergunta;
recupera o exílio, esse lugar
onde a palavra mais íntima se torna desmedida;
recupera a terra que perdeu o encontro:
o país que te ensinou a não procurar um rosto:
cada rosto é uma casa que não habitarás;
recupera o caminho que te afasta do regresso
e prolonga a ausência a que já deste um nome:
não vivas outra vez a voz que te sufoca;
recupera a palavra mais pobre: sombra
que uma criança persegue com a vela
Rui Nunes
Ofício De Vésperas
Relógio D'Água, 2007
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