«Não tens por hábito nem te apetece fazer diagnósticos. O que te perturba, o que te comove, o que te mete medo, mas que por vezes te arrebata, não é a rapidez da tua metamorfose, é, pelo contrário, justamente, a sensação vaga e pesada de que não se trata de uma metamorfose, de que nada mudou, de que sempre foste assim, ainda que só hoje o saibas; isto, no espelho rachado, não é o teu novo rosto, as máscaras é que caíram, o calor do teu quarto fê-las derreter, o torpor descolou-as. As máscaras do bom caminho, das grandes certezas. Será que, durante vinte e cinco anos, não soubeste nada do que hoje é já o inexorável? Nunca viste falhas naquilo que para ti constitui a tua história? Os tempos mortos, as passagens inúteis. O desejo fugaz e pungente de deixares de ouvir, de deixares de ver, de ficares em silêncio e imóvel. Os sonhos insensatos da solidão. Amnésico errando pelo País dos cegos: ruas largas e vazias, luzes frias, rostos mudos por onde deslizasse o teu olhar. Nunca serias atingido.»



Georges Perec
Um Homem que Dorme
Editorial Presença, 1991

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