Recordo o frio do amanhecer, os círculos dos insectos sobre as
taças imóveis, a possibilidade de um abismo pleno de luz sob as
janelas abertas para ventilação da doença, o cheiro triste
da soda cáustica.
Pássaros. Atravessam chuvas e países no erro dos ímanes e dos
ventos, pássaros a voar entre a ira e a luz..
Voltam incompreensíveis sob leis de vertigem e esquecimento.
Nem medo nem esperança tenho. De um hotel exterior ao destino, vejo
uma praia negra e, ao longe, as pálpebras enormes de uma cidade cuja
dor não me importa.
Venho do metileno e do amor; tive frio debaixo dos tubos da morte.
Agora contemplo o mar. Não tenho medo nem esperança.
És sábio e cobarde, estás ferido nas mulheres húmidas, teu
pensamento é apenas lembrança da ira.
Vês as rosas temíveis.
Ah caminhante, ah confusão de pálpebras.
Há uma erva cujo nome não se sabe; assim foi minha vida.
Volto a casa atravessando o Inverno: olvido e luz nas roupas
molhadas. Os espelhos vazios e nos pratos cega a solidão.
Ah a pureza dos cutelos abandonados.
Amei as perdas todas.
Ainda retumba no jardim invisível o rouxinol.
Antonio Gamoneda
Libro del Frio
Tradução A.M.
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