«Assentemos em poucas linhas como Maldoror foi bom nos seus primeiros anos, em que viveu feliz; está dito. Reparo depois que tinha nascido mau: fatalidade extraordinária! Ocultou o seu carácter enquanto pôde, durante um grande número de anos; mas, por fim, por causa desta concentração que lhe não era natural, todos os dias o sangue lhe subia à cabeça; até que, não podendo mais suportar tal vida, se atirou resolutamente para a carreira do mal... doce atmosfera! Quem diria que, ao beijar uma criança de rosadas faces, gostaria de arrancar as bochechas à navalha, e que muitas vezes o teria feito, se a Justiça, com seu longo cortejo de castigos, o não tivesse impedido sempre! Não era mentiroso, ele, confessava a verdade e dizia-se cruel. Humanos, ouvis? Ele ousa repeti-lo com esta pena que treme. É, assim, um poder mais forte que a vontade... É maldição! Quereria a pedra subtrair-se às leis da gravidade? Impossível. Impossível o mal querer aliar-se ao bem. Era o que eu estava a dizer.»



Isidore Ducasse, Conde de Lautréamont

Cantos de Maldoror
Moraes Editores, 1969
Tradução de Pedro Tamen

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