Por fora amarga
a pele do bago, rasga
fendida sob pressão
dos dedos que lhe desfaçam
a polpa em sumo: sangue, açucar,
libertos da grainha... e
até esta, fermentada, e
o engaço dão-nos
fogo. E de novo o acre vinagre
nos lábios. Por dentro, é cão
em vinha vindimada,
razão da uva. Terreno
donde tudo nasce - necrotério - na
repetição do gesto fértil:
a galga, a mão sob o cacho, ou
apertando-se à vara, vegetais
largados em redor
num motivo aos círculos a jorros
como quem sopra a celha
à superfície. Águas do rio,
primeiro amarga a mar-
íntima orla do licor... E surgiam
num vapor palavreas,
voltavam como cadáveres
ao sítio deste banho
cultual, líquido pelos joelhos:
queimar já só queima
o cigarro.



Paulo da Costa Domingos
Gogh, uma orelha sem mestre
Frenesi, 2004

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