Tardávamos diante das palavras, como se os olhos
fossem cegar sobre as páginas que não acabávamos
de ler só para fazer durar o engano, o livro, o tempo
de todas as leituras. Guardávamos silêncio

à cabeceira. E cruzávamos de noite os dedos
à procura da luz que emanasse de um seio, da onda
do cabelo sobre a orelha, dos ombros, da cintura,
do começo dos lábios. Normalmente achávamos apenas
a sombra da roupa na curva dos joelhos, a penumbra
entre os nossos corpos quietos e deitados.


É nas linhas das mãos que os deuses escrevem
os mais belos romances. Nas nossas, porém, somente
elaboraram um divertimento, um esboço, um rascunho,
nem sequer literatura.




Maria do Rosário pedreira
A casa e o cheiro dos livros
Gótica, 2002

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