diário XII

Coimbra, 1 de Abril de 1973

A ironia dos actos praticados! Estúpidos, quase todos, e são eles que nos dão a inteligência da vida. Uns, fruto do acaso, outros deliberadamente consumados, numa visão retrospectiva dir-se-ia que articulam num plano de coerência intrínseca tão alheio à vítima e tão inexorável que o sentido das opções mal se distingue do império das circunstâncias que os precedem e lhes sucedem, de tal forma encadeadas, que a personalidade, perplexa, se sente abolida. Mas onde teria corpo o drama de ser homem, sem a trama dos actos? Só diante da sua irreversibilidade no perfil biográfico é que se vê até que ponto eles foram igualmente absurdos e necessários para que acontecesse, no tempo, esta aventura inédita de nascer com data, ter um nome próprio, e morrer.


Miguel Torga
Diário XI
Coimbra Editora

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