O esterco do mundo

Tenho amigos que rezam a Simone Weil
Há muitos anos reparo em Flannery O'Connor

Rezar deve ser como essas coisas
que dizemos a alguém que dorme
temos e não temos esperança alguma
só a beleza pode descer para salvar-nos
quando as barreiras levantadas
permitirem
às imagens, aos ruídos, aos espúrios sedimentos
integrar o magnífico
cortejo sobre os escombros

Os orantes são mendigos da última hora
remexem profundamente através do vazio
até que neles
o vazio deflagre

São Paulo explica-o na Primeira Carta aos Coríntios,
«até agora somos o esterco do mundo»,
citação que Flannery trazia à cabeceira



José Tolentino Mendonça
A Noite Abre Meus Olhos
Assírio & Alvim, 2006

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