IV - voltam da memória com o corpo calvo

1

Voltam da memória com o corpo calvo

estão despidos de medo
animais de refúgio
a construir tocas

fecham a hemorragia da casa
com o pulso nu

os úteros cerzidos no peito





2

Os funerais são o casamento dos mortos

casam sem par no cheiro das flores


vão bonitos até,


elas escondidas de grinaldas
eles viris nas barbas feitas,


jovens no meio das mães em procissão.





3


Morrem entre a carne e o espelho,

perguntam quando vão morrer
as mãos em prega nos abismos

olhos na barragem das lágrimas
a crescerem estrume aos campos

os mortos que nele adubam.





4

No tempo das cerejas as raparigas enfeitam-se
no meio do
chumbo.




5


Guardam nos bolsos as pedras dos calços

altares onde o gado fende as aldeias
a comunhão simples das casas

a cinza a espalhar-se nos estábulos
são uma terça parte do homem,

as mãos escancaradas nos portões fechados

o sol inteiro quebrado a fio no pasto.




6

As rapariguinhas nuas engordam os peixes dos portos.





7

Mantas, marmitas, o longo dos corpos
o cheiro a ferida, a menstruação das irmãs

eles de pé como escoras na noite.





8

Nas ruas estreitas das lages
aninham-se no fim dos animais

os ventres rompidos nas esquinas
as roupas ardidas, a gordura

que movimenta os corpos
nas cinzas do sol.



Alexandre Nave
Columbários & Sangradouros
Quasi Edições, 2003

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