ao contrário das ondas

(...)
Nunca amei tanto a luz como nos dias em que vinhas estar comigo; todas as coisas tinham mais realidade do que aquela que o nome lhes confere.
Tu, serena e angustiada como és, curavas-me. Senti-me pela primeira vez eu e não uma coisa para aqui. Com um infinito pudor de te dizer esse milagre, que nem para mim ousava definir.
Tardes em que mordi a vida como quem morde um fruto agridoce e precário, com o sabor universal de que eu estava excluído.
Riamos de tudo e de nada, maldiziamos ao de leve, brincávamos com as pessoas ausentes e com as palavras gastas, trocando-lhes os sentidos. Inventávamos para nós caricaturas efémeras.
E naturalmente fazíamos amor, sem atribuir a isso uma grande importância. Na aparência.


Urbano Tavares Rodrigues
Ao Contrário das Ondas
Dom Quixote

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