Para o Al berto,
no dia da sua morte
no dia da sua morte
A noite progride puxada à sirga
a sombra ao alastrar
nem por isso amansou
adolescência
é verdade
irritaste-me
até dizer basta
encenaste de mais
assustaste de menos
mas a linha cruzando
nas artérias
aparava derrames
nas astúcias
às avessas da pele
operavas a meio
da comunicação,
entre patetas
discorrias dislates
menino Caravaggio
com a mão no pescoço
pressentiste o ataque,
o lobo derrotou-te
de mais o provocaste,
a fala sem parança
a pressa
cortar a direito
na cadeirinha transportado,
criados aos varais
gritando que se afastem
para que chegue cedo
à gravação directa,
na dor ao domicílio
tinhas certa grandeza
idólatra, sentimental, português.
Agora que te foste
reconheço:
razão tinhas em expor-te
a pressa que levavas
em agarrar o pai
já muito adiantado
dava-te pouca trégua
mas tenho que dizer-te:
apesar dos colóquios,
da parva constrição
à volta do Pessoa,
da sôfrega mania
sentado de cachecol
ao lado de imbecis
eras, poeta,
profeta do amor
que sempre interpelaste
capaz de manter
debaixo do teu mar
a leva das cabeças
imunes à ternura
ao lírico desmando
de amar perdidamente
a sombra de ti próprio
nos pobres mais devassos
nos olhos mais traidores
Florbela te vinhas
tão cego lusitano
lá conduziste a nau
à soga dos engates
os bairros, as calçadas
à esquina dos jardins
derramaste a mirra
nos príncipes reais
e vais-te de repente
e nós de boca aberta
sobre esta papelada
« porque onde termina o corpo,
deve começar outra coisa, outro corpo.»
Fátima Maldonado
Vida Extenuada
& etc, 2008
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