O filho pródigo

Tu tinhas uma esperança que era uma prisão.
António Gancho


Desperdiçaste na vida tanto lance
arma de falhanços disparaste
em profanos casinos açaimando
misérias
da roleta fizeste teu sudário
magoado foste o mais que tu pudeste
à terra impedida redenção
sem dó trucidando searas
rasuraste cortiças
por fim escolhida cama
o leito do pedinte mendigaste
enquanto assassinavas hectares sobre hectares
montes de sangue limpo
onde raposas vinham regougar
as reses pacientes
à mercê do fogo e do arado
dos ferros, do teu ferro gravado no flanco
homens desinquietados vinham
ao cheiro da brasa no pelo já crestado
e riam e riam
sem que tu prevenisses a extensão da desgraça
espezinhados costumes
os gestos centenário entregues ao salitre
cão sarnento amarrado
ao repúdio dos teus
inábil no firmar da coluna partida
exigias à fraqueza violências
não fazia diferença quem fugisse
era preciso cada vez pior
fogueira que tu próprio atiçaste
no pelourinho onde te prendeste
incapaz de qualquer apostasia
ou de serrar o ramo onde fizeras ninho
teu pai havia-o plantado
julgando ver ainda heráldica ramagem
mas ao desaparecer restava só um cepo
onde sucumbiste
e foste aí mesmo degolado
nem rico nem pobre
apenas desgraçado.



Fátima Maldonado
Vida Extenuada
& etc, 2008

1 comentário:

L.N. disse...

gostei do que li. tenho que conhecer mais desta senhora.