Gosto de ti como se gosta do sol

Gosto de ti como se gosta do sol, e era bom
ficar ao sol todo o dia, mas queima.
Muitos outros se deitam ao sol, toda a espécie de corpos,
não tens tamanho para tanta gente.
Um dia vai-se abrir a porta doirada,
vamos caber, um a um.
Vais-me escolher especialmente, como todos os outros.
Podes ter mãos. Podias até, alguma vez, ter lábios,
dizer alguma coisa em língua, numa língua qualquer.
Naturalmente, a imaginação poética é só devaneio,
tilintar de talheres sem nada para comer,
um ar tão leve, para que serve respirar?
Para esquecer, escrevo um longo romance verdadeiro
e pícaro; tudo nele é real!, as pessoas dormem
e acordam e dormem, e fodem nos intervalos;
devoram-se animais; mas o melhor são os diálogos.
Entre existires e não existires antes não existires,
é mais inteiro, deixa menos dúvidas dentro do crânio,
ao lado dos ossos normais. Entre mulher e homem
o melhor é não teres mesmo por onde escolher,
vestir saia-casaco ou fato completo,
usar até, em dias de festa, as tuas peles virtuais.



António Franco Alexandre
Poemas
Assírio & Alvim, 1996

Sem comentários: