calma. basta de palavras duras. já não resta muito de mim.
não chores por mim, já não tenho fogo para apagar.
não me olhes. sou uma ruína que se vai desmoronar
de um instante para o outro.
não quero que me vejas desmoronar
já não tenho tenho sensação nenhuma do meu eu, do meu peso
perdi o pé e flutuo no ar. anulam-se uma à outra as
gravidades da terra e do céu
e já não tenho sensação nenhuma de quem sou,
de quem não sou
olho em volta: sou este sou aquele?
não chores por mim, já não tenho fogo para apagar
estou a repetir-me mas isto que lentamente escrevo
é tudo o que possuo
acaso a culpa é minha? sou apenas uma pedra lançada
por alguém, um pedaço de madeira talhado por alguém
não me desculpa. a culpa não é de ninguém, ou é
minha apenas
escrevo lentamente o que penso: é tudo quanto possuo
mas não me dá grande consolo
mas isso não importa porque te amo
harmoniosa miragem
e recordo esse tempo em que foste uma bela miragem
tu és bela
e quis voltar contigo, tal como todos voam, sim , como
quem foge voando
mas adoecemos os dois e em breve tudo acabará
E então? a que vem tudo isto?
amo-te e vou desmoronar-me
culpas minhas? estou a tornar-me invisível
faço-te sinais com a mão, a mão que só tu vês
abre-se a porta, a noite vai longa
a lua apaga-se, já distribuí os meus haveres
não deixei nada para mim, estou a tornar-me cada vez mais invisível
mas não vou morrer
algo me resta: uma porta. que mais posso fazer do que
abandonar a minha própria morada?
não vou morrer, apenas desaparecer
talvez eu acorde, ó angústia, num dia cheio de certeza e sabedoria
então voltarei para procurar-te.
Gunnar Ekelöf
2 comentários:
Matar-me-ia a sorrir para escrever assim.
como te entendo.
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